O Lamborghini LM002 é o pai de um conceito que hoje damos por garantido: o dos SUV de luxo e elevada performance. 25 anos depois do fim da sua produção, a marca italiana reescreve esta história feita de músculo com o Urus, o SUV mais rápido do Mundo.
“Peguem nos vossos Guccis, escravos do status: o preço da fama está a subir rapidamente. Logo agora, quando pensava que o seu novo 4x4 de luxo tinha tudo para o fazer subir na escada social, trazemos-lhe notícias devastadoras. Deite fora o seu Range Rover, mande o seu Isuzu Trooper para a sucata e venda o pequeno Suzuki Samurai à sua prima, porque acaba de chegar um carro que está destinado a tornar esses dinkmobiles tão ultrapassados como os Willys Jeepsters de carroçaria bi-color. Apresentamos-lhe a máquina Mad Max. Apresentamos-lhe a coisa mais parecida com um tanque Tiger de estrada que a Humanidade conhece. Apresentamos-lhe o Lamborghini LM002. Apresentamos-lhe o Rambo Lambo.”
Há parágrafos da imprensa especializada destinados a fazerem história. E este, com o qual a revista norte-americana Car and Driver abria, em outubro de 1987, o artigo sobre o Lamborghini LM002 é seguramente um deles. Na tradução do inglês perde-se algum do humor geral, mas não os humores do jornalista: a brutalidade de um dos SUV mais excêntricos e atribulados da história do automóvel perpassa em cada linha e impressiona quem o conduz, quem o ouve e quem o sente: “Quando abrimos o capot, homens fortes suspiraram” – a frase chave com que o mesmo artigo inicia a descrição do motor V12, o mesmo do mítico Lamborghini Countach.
Este pedaço de prosa é apenas um exemplo das reações que o Lamborghini LM002 suscitou quando, em 1986, foi apresentado formalmente no Salão de Bruxelas. E que continua a despertar nos raros leilões de clássicos onde vão aparecendo alguns sobreviventes bem cuidados.
Naquela metade dos anos 80, o mundo era outro, a começar pelo mundo automóvel. A euforia dos SUV estava longe, muito longe, do que viria a ser nos dias de hoje. Na Europa, os “jipes” de Luxo eram o Range Rover e pouco mais, enquanto na pátria dos SUV, os Estados Unidos, podia chegar-se a um Jeep Wagonner, a versão “bem vestida” do Cherokee. O Cadillac Escalade, arquétipo do luxo 4x4 do outro lado do Atlântico, só chegaria no ainda distante ano de 1999.
O desenvolvimento do LM002 começou no final dos anos 70, com base numa ideia para um veículo fora de estrada de elevada performance para uso militar. Com os olhos postos nas forças armadas norte-americanas, a Lamborghini apresenta, em 1977, o Cheetah, um protótipo cujas linhas deixaram a sua herança na história deste SUV, mas onde tudo o resto era diferente, a começar pelo motor montado na traseira, um V8 de origem Chrysler. O Cheetah nunca chegou a ser mostrado oficialmente aos militares dos EUA e o projeto acabaria por ser suspenso prematuramente.
A segunda tentativa viria pouco tempo depois com o LM001, desta vez com algumas alterações, mas mantendo o essencial da configuração: formas espartanas, tal como o interior, e um V8 americano (desta vez um AMC) montado na traseira.
Fosse porque aquele SUV gigante com excesso de peso na traseira se revelasse uma autêntica dor de cabeça logo na primeira duna do deserto, ou porque a Lamborghini, por esses dias, atravessava uma imensa instabilidade fruto da constante mudança de acionistas, a verdade é que também o LM001 se revelou um tiro de pólvora seca.
Como não há duas sem três, a Lamborghini decidiu tentar de novo. E agora com uma perspetiva totalmente nova. Em 1981, um engenheiro da casa, Giulio Alfierri decide uma abordagem diferente ao LM001: o chassis foi totalmente revisto e o motor passou a ser montado na frente. A escolha? Nada menos do que o V12 do Countach LP500S… Nascia assim o LMA002, cujo primeiro protótipo foi mostrado pela primeira vez em 1982, no Salão de Genebra. A melhor distribuição de peso permitia encarar com mais confiança uma qualquer duna ou gradiente mais agressivos e a Lamborghini acreditava que, agora sim, poderia convencer forças militares ou operadores da indústria petrolífera algures num deserto perdido do Médio Oriente. Os interiores eram simples e robustos, mas, talvez porque nenhum exército ou empresa tivesse simpatizado com a ideia de levar tantos carburadores para o meio da areia, a procura foi pouco mais do que nula.
Alfieri e a Lamborghini não desistiram. Este LMA002 foi sendo aperfeiçoado ao longo dos anos que se seguiram e terá sido aqui que surgiu a mais brilhante jogada de mestre: E se este SUV, que até tinha um motor de hiperdesportivo, fosse transformado num gigante de luxo? Um “jipe de luxo”… Hoje parece tão evidente. Mas naquela altura era tudo menos um passo seguro.
A arriscada ideia foi por diante e, em 1986, a Lamborghini apresenta no Salão de Bruxelas o LM002: o mesmo espírito de força bruta, mas agora com o requinte e aura que eram esperados por quem comprava um “Lambo”. A versão final, apresentada no final desse ano no Salão de Turim, montava o V12 do Countach, um 5,167 cc capaz de oferecer 450 cv às 6800 rpm. Nada mau para brincar na areia.
Com carroçaria de alumínio e fibra de vidro, transmissão integral, caixa de transferência e três diferenciais autoblocantes, este SUV conseguia ultrapassar gradientes de 120%. A sua velocidade máxima superava os 200 km/h, razão pela qual a Pirelli desenvolveu uns pneus Scorpion especialmente para este carro. Com características “run-flat”, estes pneumáticos permitiam rodar com pressões baixas para a progressão na areia, ao mesmo tempo que se mostravam especialmente resistentes a altas temperaturas.
Esta combinação de performance pura com aptidões de todo-o-terreno e elevado requinte a bordo atraiu de imediato as atenções. A Lamborghini tinha encontrado uma fórmula percursora de uma classe de automóveis que não existia até então. O LM002 era algo nunca visto, muito menos nos anos 80, e a sua excentricidade teve o poder de atração de um oásis no deserto: a primeira encomenda veio do Rei Hassan II de Marrocos, quase ao mesmo tempo daquele que seria entregue pouco depois ao piloto Keke Rosberg.
Numa altura em que carros como Audi Q7 ou o Bentley Bentayga não cabiam sequer nos sonhos mais distantes, ver um “mamute” de 1,9 metros de altura por 2 metros de largura aproximar-se no retrovisor à velocidade de um GTI deveria provocar uma reação semelhante à de Richard Dreyfuss em “Encontros Imediatos de Terceiro Grau”. E não seria para menos: o “Rambo Lambo”, como o batizou para sempre o jornalista da Car & Driver, tinha a massa muscular e a força de Stallone nos dias mais aziagos: 2700 kg projetados dos 0 aos 100 km/h em 8 segundos.
O LM002 é mais do que um “SUV”: é o pai de um conceito e de uma classe de mercado à parte. Mas o facto de ter nascido antes do tempo e de ter de enfrentar as vicissitudes da Lamborghini - que só viria a encontrar a estabilidade quando, em 1998, foi vendida à Audi AG - acaram por ser fatais para a sua continuidade. Apenas foram produzidas 300 unidades e somente durante seis anos, até 1992.
Agora, 25 anos depois, a Lamborghini lança o Urus, um SUV que se assume nesta linhagem de exclusividade. Os ingredientes, sabe-se já, estão lá todos como nos tempos de Giulio Alfierri: porte possante, potência e binário próprios de superdesportivo e luxo a bordo. Em Sant’Agata Bolognese, vivem-se dias de entusiasmo. A Lamborghini quer honrar a história inacabada do LM002.
Deixe o seu comentário